O
Rio de Janeiro entra nesta terça-feira (05/07) em contagem regressiva de 30
dias para o início dos Jogos Olímpicos e vê diversos problemas internos
colocarem em risco o potencial de sua imagem. Em vez de impulsionar as belezas
e virtudes da cidade, as últimas notícias poderão fazer do megaevento um
cartão-postal dos problemas cariocas.
Por
um lado, a cidade está quase pronta para receber o evento, com instalações
esportivas entregues e obras próximas da conclusão. Por outro, o decreto de
calamidade pública, deixando clara a grave crise financeira do estado; os
problemas na segurança; os atletas que cancelaram a participação por causa do
vírus zika; e promessas que não saíram do papel, como a despoluição da Baía de
Guanabara, mancham a imagem da cidade perante turistas e atletas.
“O
Rio de Janeiro enfrenta uma tempestade perfeita. Há crises em diversas áreas”,
afirma Lamartine DaCosta, pesquisador do Comitê Olímpico Internacional (COI) e
professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). “Mas não existem
Jogos sem problemas: eles foram registrados em todos estes eventos nesta fase
de gigantismo a partir de Sidney [em 2000], quando passaram a ser monumentais.”
Calamidade
pública
Em
17 de junho, a 49 dias para o início do evento, o estado do Rio de Janeiro
declarou calamidade pública devido à crise financeira – o governo estadual
prevê um déficit de 19 bilhões de reais em 2016. Um dos motivos apresentados
pelo governador em exercício, Francisco Dornelles, para optar pela medida é que
a crise impediria o estado de honrar os compromissos com os Jogos Olímpicos e
Paralímpicos.
“Realmente
houve uma nítida chantagem, que é comum em qualquer governo do mundo. Mas, por
outro lado, do ponto de vista político, a decisão [de declarar calamidade
pública] está correta, pois o prejuízo seria muito maior se a crise
prejudicasse os Jogos”, diz DaCosta. “O Rio não é um fato isolado. Nos Jogos de
Londres, por exemplo, a Câmara dos Comuns tentou embargar muitas das
modificações que foram feitas no final da construção das instalações
olímpicas.”
Após
análise, o governo federal liberou 2,9 bilhões de reais. Deles, cerca de 800
milhões de reais deverão ser usados para pagar a metade do salário de maio e o
integral de junho dos policiais. O governo promete liberar ainda as parcelas
atrasadas do Regime Adicional de Serviço (RAS), que paga os homens que trabalham
durante as folgas, e ainda a premiação do Sistema de Metas do primeiro semestre
de 2015, para os que reduzem a criminalidade.
A
crise na segurança pública – como salários atrasados dos policiais civis,
militares e bombeiros; e a falta de combustível para veículos e helicópteros
das forças de segurança – chegou a gerar diversos protestos de policiais, como
uma faixa estendida no setor de desembarque do aeroporto internacional do
Galeão com os dizeres “Welcome to hell” (Bem-vindo ao inferno). O estado do Rio
vê, ainda, um aumento da criminalidade: houve uma alta de 15,4% no número de
homicídios dolosos entre janeiro e abril em comparação ao mesmo período de
2015.
O
Rio terá reforços das Forças Armadas para o período dos Jogos. Porém, segundo a
mídia brasileira, serão disponibilizados 4.500 homens – número inferior ao
solicitado pelo governo estadual, que era de 5 mil. Representantes do governo
federal afirmaram que, com o aporte de 2,9 bilhões de reais, não será
necessário deslocar o número pedido pela administração fluminense.
"Vai
ter a Força Nacional de Segurança, o Exército, a Marinha. Todos estarão aqui.
Acho que eles [governo estadual] fazem um trabalho terrível na segurança, antes
e depois dos Jogos. Ainda bem que não serão os responsáveis pela segurança
durante os Jogos", afirmou o prefeito Eduardo Paes, em entrevista recente
à CNN.
Metrô
em cima da linha
Com
os recursos federais aplicados na segurança pública, o estado promete fazer um
remanejamento de verbas para concluir as obras da linha 4 do metrô, que liga a
zona sul da cidade à Barra da Tijuca – bairro com o maior número de competições
olímpicas. Com o aporte, a inauguração da linha – que tem 16 quilômetros de
extensão e cinco estações – foi adiada para 1º de agosto, a cinco dias do início
dos Jogos.
Mas
a despoluição da Baía de Guanabara, um dos compromissos assumidos pelo Rio em
sua candidatura para os Jogos, não vai sair do papel. A promessa de reduzir em
80% o esgoto e lixo jogados na baía até 2016, local palco das competições de
vela, não foi cumprida. Estima-se que menos de 40% do esgoto seja tratado. E,
devido ao vírus zika, alguns esportistas – como o golfista australiano Jason
Day e o norte-irlandês Rory McIlroy – desistiram de participar da Rio 2016.
Para
Kai Michael Kenkel, professor do instituto de Relações Internacionais da
PUC-Rio e pesquisador associado do Instituto Alemão de Estudos Globais e
Regionais (Giga), em Hamburgo, quando o então presidente Lula defendeu a
candidatura da Rio 2016, o evento tinha tudo para dar certo. Agora, porém, a
situação é outra, segundo ele.
“Com
uma grave recessão econômica e a crise política, o quadro é o oposto. Mas, se
qualquer gestor público olhar para as edições anteriores do evento, ele vai ver
que não ficou nada ou pouco de sustentável nas cidades que já foram sede”,
afirma Kenkel. “Se tivessem pesquisado, os líderes políticos teriam visto o
peso financeiro que um evento como este traz para as finanças públicas.”
Efeitos
da crise
A
crise do estado tem diversos motivos, como a queda do preço do barril de
petróleo e, consequentemente, na arrecadação de royalties pelo estado; a crise
do setor petrolífero brasileiro devido ao escândalo da Petrobras; a diminuição
na arrecadação de ICMS, também devido à crise econômica, os gastos com a
organização dos Jogos e da Copa do Mundo, além de má gestão das contas
públicas.
O
estado sofre ainda com a desvalorização do valor do barril de petróleo – que
custava na faixa de 105 dólares em julho de 2013 e, atualmente, vale cerca de
50 dólares –, já que o valor dos royalties depende do preço do barril. Assim, o
estado arrecadará, em 2016, 3,6 bilhões de reais – em comparação, no ano
anterior foram 5,5 bilhões de reais, segundo dados da Secretaria da Fazenda.
Quando
o valor do barril de petróleo estava em alta, o estado ampliou seus gastos. As
despesas do Rio de Janeiro com o pagamento de servidores ativos, inativos e
pensionistas do Poder Executivo explodiu nos últimos anos. Segundo dados da
Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, em 2010 foram gastos 17,2 bilhões
de reais. Já em 2016, o valor será de 37 bilhões de reais – quase o dobro.
Mesmo
com tantas notícias ruins antes de atingir a marca de 30 dias para o início dos
Jogos, Lamartine DaCosta, da Uerj, diz que, pela tendência histórica, os Jogos
deverão ocorrer normalmente. E, ainda, segundo estudos científicos, a um mês
dos Jogos a mídia nacional e internacional começa a mudar o tom em relação ao
megaevento.
“E
a população absorve muito bem isso [os problemas]. É uma característica do povo
aderir aos eventos, como nos Jogos Pan-Americanos e a Jornada Mundial da
Juventude. E, pela tendência histórica, isso deverá se repetir também na Rio
2016”, prevê DaCosta.
DW
- Deutsche Welle
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