Os sócios da Avibras, mais importante indústria de equipamentos
militares de alta tecnologia do País, só sabem da recessão brasileira pelos
jornais. A receita bruta da empresa, com sede em São José dos Campos e fábricas
em Jacareí e Lorena, interior de São Paulo, cresceu 8,6 vezes entre 2012 e
2016, de 154,6 milhões para 1,33bilhão de reais. Os números estão em valores
constantes de 2015 e incluem as vendas contratadas para 2016.0 aumento de 1,72
vezes no planteu de empregados, significativamente inferior ao crescimento do
faturamento, indica uma elevação da produtividade.
Integrante de um mercado com crescimento proporcional às necessidades de
defesa diante do aumento das tensões mundiais, a empresa registrou uma elevação
significativa das exportações, naquele período, de um valor marginal para 1,25
bilhão de reais. O fator fundamental para o bom desempenho econômico é o
desenvolvimento de tecnologia nacional avançada nas áreas de aeronáutica,
espaço, eletrônica e veículos de defesa. "Investimos cerca de 25% do nosso
faturamento em pesquisa e desenvolvimento,15% na forma de contratos com as
Forças Armadas e 10% com capital próprio", detalha Sami Hassuani,
presidente da Avibras.
A empresa vende 20% da produção no Brasil e tem uma atuação
internacional intensa. Os países emergentes são o maior mercado. A Avibras
identifica dificuldades e necessidades das diferentes nações e procura oferecer
produtos inovadores, sem similar nos concorrentes. A análise geopolítica e de
mercado, fundamental para identificar tendências, é feita com base na
participação em feiras internacionais, em projeções e estudos de publicações
especializadas, no contato intenso com embaixadas do Brasil e representações
diplomáticas estrangeiras e na presença constante nos mercados. A fabricante
superou um pedido de recuperação judicial e hoje exporta 8o% da produção
A soberania consiste em autossuficiência alimentar, energética e de
defesa, dizem os especialistas. "Se um país quer ter soberania, necessita
de autonomia tecnológica em defesa. O conceito de defesa deve ser um pensamento
do Estado, de longo prazo, por causa do tempo e investimento exigidos para
formar pessoal e desenvolver tecnologia. Só assim se alcança a soberania, que é
a capacidade de, em uma mesa de negociação, dizer não", define Hassuani.
"Para isso, é indispensável ter tecnologias testadas e respeitadas."
O míssil AVTM-300, da Avibras, o cargueiro KC-390 e o avião Tucano, da Embraer,
são exemplos de desenvolvimento de tecnologia própria no Brasil, segundo o empresário.
O principal produto da Avibras é o sistema Astros, de artilharia de
foguetes e mísseis, detentor de 25% do mercado mundial no segmento,
participação idêntica àquela dos Estados Unidos. A Rússia vem logo atrás, com
20%, a China responde por 10% e os 20% restantes são repartidos entre Turquia,
Israel e outros. Cada bateria da família Astros II é composta de seis caminhões
lançadores de foguetes, mais seis veículos re-municiadores e outro com sistema
de radar e meteorologia para controle de tiro. "O carro mais barato custa
em torno de 1 milhão de dólares e o mais caro, cerca de 7 milhões, em razão do
altíssimo valor agregado. Não somos careiros, mas muito competitivos", diz
Hassuani.
O Astros II foi empregado nos principais embates em guerras
convencionais contemporâneas. A Avibras começou a desenvolvê-lo no início da
década de 1980 para fornecimento ao Exército iraquiano, que conhecia a empresa
por usar seus foguetes ar-solo e bombas para aviação. Antes, estudou vários
sistemas de foguetes de artilharia disponíveis no mercado. O produto foi
concluído em 1983 e adquirido pelos exércitos do Brasil, Iraque, Arábia
Saudita, Indonésia, Malásia e Catar. O Iraque e a Arábia Saudita o utilizaram
com frequência na primeira Guerra do Golfo, em 1991. 0 sistema Astros foi usado
também pela coalizão integrada por Estados Unidos e Arábia Saudita, entre
outros, no combate ao Estado Islâmico, o Isis, no ano passado, no lêmen.
"Os clientes precisam sentir-se seguros quanto ao desenvolvimento
tecnológico dos produtos. Eles acompanham a produção. Delegações militares de
países estrangeiros vêm nos visitar e ficam de boca aberta ao perceber que o
País tem autonomia tecnológica total na área", afirma o presidente da
Avibras. "Fazemos diferentes auditorias encadeadas na linha de produção
para garantir a qualidade", diz Márcio Moreira, gerente da Divisão
Veicular. Na produção do sistema de defesa Astros, a condição para ser
independente tecnologicamente é dominar as áreas aeroespacial, de engenharia
mecânico-veicular, engenharia química, eletrônica, softwares e
telecomunicações. A empresa segue uma regra simples para decidir se deve
verticalizar a produção de um componente. Se não houver ao menos três
fabricantes, ela o produz internamente. "O fabricante de avião compra uma
turbina de determinado fornecedor internacional e, no caso de um embargo
provocado por fatores geopolíticos, pode escolher um concorrente daquele
parceiro. Temos de fazer as turbinas dos nossos mísseis porque, se
importássemos, correríamos o risco apontado de corte do fornecimento externo.
Para afastar essa possibilidade de comprometimento das entregas de componentes
críticos, temos de verticalizar ao máximo. Tornamo-nos especialistas em
balancear o que fazemos em casa e o que compramos de fora", explica Hassuani.
A autonomia tecnológica requer um grau elevado de produção própria
A verticalização ou produção própria de itens de alta tecnologia inclui,
além das turbinas, o propelente com perclorato de amônia (PCA), combustível
sólido que não precisa de oxigênio para queimar. A eletrônica de guiamento dos
mísseis e aquela de controle de radares também são produzidas pela própria
empresa, assim como as peças leves e duras de material composto
carbono-carbono, incluída a tubeira, uma espécie de escapamento dos mísseis e
dos foguetes. "São tecnologias antes só disponíveis nos países avançados,
com acesso vetado aos países emergentes." No jogo entre as nações,
impede-se o acesso a uma tecnologia até o momento em que o país interessado em
comprá-la passa a produzi-la por conta própria. Antes dos anos de 1990, a
Avibras tinha muita dificuldade para comprar o PCA. Hoje, produz perclorato de
amônia e propelentes sólidos de alta energia para aplicação em foguetes,
mísseis e engenhos espaciais.
É a única com essa tecnologia na América Latina e, nos Estados Unidos,
só dois dos oito fabricantes de mísseis e foguetes a possuem. "Hoje,
concorrentes da Avibras vendem o PCA para nós, pois agora detemos essa
tecnologia. Quando você a possui, eles passam a se interessar em vender-lhe,
até para a sua produção não aumentar muito e diminuir a fatia dele no
mercado", diz Carlos Augusto Pereira Lima, assessor técnico da presidência
da Avibras.
Em 2008, a indústria foi assediada por concorrentes interessados em
comprar a tecnologia de combustível sólido para propulsão de foguetes. A morte,
naquele ano, do fundador João Verdi Carvalho Leite, encontrou a empresa com
poucos pedidos em carteira e muitos contratos por fechar. João Brasil Carvalho
Leite, filho do fundador, herdou 95% do controle acionário da empresa.
"Não pensamos em salvar a empresa e deixar o Brasil sem aquela tecnologia
avançada. Sempre vinculamos os interesses da companhia àqueles do País. Mesmo
em situações de enormes dificuldades, como em 2008, jamais abriríamos mão de
permanecer aqui", diz Hassuani. "A tecnologia tem um valor
inestimável. Não só isso. Ter tecnologia é uma coisa, ter tecnologia
independente é outra, totalmente diferente." A empresa ficou em
recuperação judicial entre 2008 e 2010, mas resistiu, superou a conjuntura
difícil e voltou a registrar bons resultados.
Os primeiros produtos da indústria fundada em 1961 por Carvalho Leite e
outros quatro engenheiros do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, o ITA, foram
os aviões Alvorada, usado em treinamento, e Falcão, elaborados com materiais
compostos, derivados da corrida espacial, considerados um avanço tecnológico
mundial. Para dar conta das encomendas, a Avibras contratou 30 funcionários. O
outro fabricante nacional de aviões naquele período era a Neiva.
Ainda na década de 1960, a Avibras entrou para o Programa Espacial
Brasileiro, coordenado pelo Instituto de Atividades Espaciais, atual Instituto
de Aeronáutica e Espaço. Foi quando desenvolveu o combustível do primeiro
engenho espacial brasileiro, o Sonda I. Construiu, para o Ministério da
Aeronáutica, os foguetes Sonda I, Sonda IIB e Sonda IIC, e fez o tratamento
térmico do envelope metálico ou tubo externo do Sonda II, além de plataformas
de lançamento. Com o avanço em novas áreas de produtos de alta tecnologia, o
efetivo foi ampliado para 100 empregados.
Entre as décadas de 1960 e 1970, começou a produzir foguetes
superfície-superfície e mísseis para o Exército brasileiro, além de sistemas de
foguetes ar-terra e armamentos para helicópteros da Força Aérea e da Aviação
Naval da Marinha. Nos anos 1970,venceu a concorrência do governo brasileiro
para a fabricação de 45 estações de comunicação com satélites, compostas de
torres e antenas parabólicas, e aumentou o quadro para 300 empregados. No fim
daquela década, começou a produzir bombas de aviação, produto que exigia várias
tecnologias dominadas pela empresa.
A crise econômica e industrial no início dos anos 1980 provocou a
falência de diversas empresas do setor de defesa, Engesa, DF Vasconcelos e
Orbita incluídas. As dificuldades foram seguidas por um período de crescimento
das exportações, desenvolvimento de novos sistemas de defesa e ampliação da
companhia, com novas instalações e atuação com empresas coligadas para
desenvolver produtos, sistemas e serviços nas áreas civil e militar. A criação
de um sistema de foguetes de artilharia para saturação de área, o Astros, e o
início das exportações, possibilitaram à empresa dar um salto qualitativo e
quantitativo e atingir um total de 3 mil funcionários.
O ciclo seguinte seria de desaceleração, depois dos anos 1990, efeito da
queda das encomendas e elevação dos estoques mundiais com o fim da Guerra Fria.
Por causa das novas dificuldades provocadas também pelos sucessivos planos
econômicos do período, a empresa pediu concordata em 1990, suspensa em 1994 com
o aumento das exportações. A aposta na indústria da defesa a partir do segundo
mandato de Lula impulsionou as encomendas. A manutenção da força de trabalho de
alto nível, mesmo nos períodos difíceis, permitia uma retomada rápida de
volumes de produção significativos.
"Nunca descuidamos de manter o pessoal e a tecnologia decisivos.
Assim, quando há uma retomada do mercado, a empresa decola", diz Hassuani.
"Somos uma empresa de engenharia que, por ser da área de defesa, tem uma
razoável capacidade industrial. Precisamos ser uma empresa de engenharia para
pensar o novo." Dos quase 2 mil empregados, 350 são engenheiros ou
técnicos. O salário médio na empresa é de 6,5 mil reais e, na engenharia, está
acima de 10 mil reais.
Os lançamentos em fase final do período de certificação, previstos para
daqui a um ano, incluem o míssil ar-ar, A-Darter, um dos mais modernos do mundo,
de quinta geração. Fabricado em parceria com as empresas brasileiras Mectron e
a Octoeletronica e a sul-africana Denel, pode ser usado pelos aviões de caça
Gripen. Entre as próximas novidades está um míssil antinavio produzido em
conjunto com a Mectron e a Omnysis, empresa de capital francês instalada no
Brasil. O míssil tático de cruzeiro AV-TM300, com alcance de 300 quilômetros,
lançado também do Astros, está em desenvolvimento para o Exército brasileiro.
Em fase de certificação, encontra-se ainda uma aeronave de pilotagem remota
denominada Falcão.
O potencial do setor de defesa brasileiro está represado por uma
significativa limitação de recursos. Hoje o orçamento corresponde a 1,4% do
PIB, ante 1,71%, em média, na América Latina e 2,31% nos países do bloco BRICS.
O Brasil deveria destinar 2% do PIB ao setor, defende o ministro Aldo Rebelo,
da Ciência, Tecnologia e Inovação. Se assim fosse, novas Avibras poderiam
florescer.
REVISTA CARTA CAPITAL
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