A rotina do Setor Militar Urbano (SMU) tem momento certo para começar e
para terminar e, geralmente, não atrasa. Os mais de 12 mil militares envolvidos
nos serviços do Exército Brasileiro dão vida ao setor que é mais autossuficiente
do que a maioria das regiões do Distrito Federal. “O SMU fica localizado no
centro de Brasília, numa região privilegiada e de fácil acesso, com linhas de
ônibus exclusivas, vila militar, clubes, restaurantes, agências bancárias,
hospital e segurança 24 horas”, enaltece a sargento Maria Rocha, que trabalha
na Base Administrativa do Comando Militar do Planalto. Para a oficial, que vive
a rotina do SMU há três anos, todos esses aspectos garantem uma boa qualidade
de vida.
Apesar de estar na região central de Brasília, a atmosfera é bem
diferente das asas do Plano Piloto. Até nos passos sincronizados dos soldados
que se exercitam nas primeiras horas da manhã – tudo no SMU parece seguir uma
ordem, uma disciplina. A vila que concentra os principais serviços do Exército
brasileiro na capital federal tem em sua rotina valores tradicionais da vida
militar. O conjunto arquitetônico do bairro impressiona pela imponência e
originalidade. Com um verdadeiro acervo a céu aberto, e outras tantas obras de
acesso restrito, o local é um primoroso representante da cultura brasiliense.
O filósofo Michel Foucault já dissera que o poder está associado a uma
série de símbolos. E que esses elementos é que formam um sujeito ou uma
entidade poderosa. Oscar Niemeyer parecia estar em plena sintonia com o
pensamento do francês ao criar as principais obras do SMU.
O Quartel-General do Exército
(QGEx); o Monumento a Duque de Caxias, Concha Acústica; o Oratório do Soldado e
a Praça dos Cristais compõem o Conjunto Cívico do Quartel General do Exército e
é parada obrigatória para amantes da arquitetura ousada de Niemeyer. Por lá,
também há a contribuição de outros catedráticos, como Burle Marx e Athos
Bulcão.
Construído entre 1969 a 1973, no período mais ferrenho do regime
militar, o QGEx consegue transmitir a mensagem de poder da instituição de maior
influência na sociedade àquela época. A simbologia em torno dos elementos
estéticos reforça uma ideia que é transmitida de maneira muito natural, até
mesmo para quem não é militar.
Os blocos de concreto imensos alocados paralelamente na vertical parecem
dizer o quão pequeno é um indivíduo diante de uma obra tão imponente. Os gestos
padronizados e a exaltação de símbolos nacionais, automaticamente, ajustam o
comportamento visitante no local.
Lá trabalham o comandante do Exército e seus órgãos de assistência
direta. Em 117 mil m² de área construída, é abrigo de 34 organizações
militares. Mas o QGEx é muito mais do que se pode ver: o subsolo esconde
preciosidades, como um dos maiores painéis construídos por Athos Bulcão, de 516
m², que decora uma das gigantescas garagens subterrâneas do quartel. De uso
restrito, ela dá acesso a um túnel de uso também privativo a autoridades. Essa
galeria subterrânea liga o quartel ao teatro e à Concha Acústica.
Pelo extenso corredor branco já passaram vários presidentes, desde os da
era militar até Dilma Rousseff. “A estrutura ainda é a da época da construção.
O mármore do piso e os revestimentos continuam intactos”, diz o guia da
reportagem, coronel Carlos Duarte Pontual de Lemos, enaltecendo a qualidade do
material que foi utilizado no local.
O fim do corredor dá diretamente na coxia do Teatro Pedro Calmon, uma
construção sóbria, que reserva nos detalhes a personalidade de seus
projetistas. Em madeira e com curvas que lembram as edificações de concreto
espalhadas pela cidade, “o teto foi pensado para a perfeição acústica das
apresentações”, afirma o tenente Atair Mieres, gestor do espaço. Um grande
painel de Athos Bulcão decora uma das paredes laterais. Há também bolhas que
permitem que qualquer atividade possua tradução simultânea em diferentes
línguas, desde quando o teatro foi inaugurado. Com 1.164 lugares, o espaço,
hoje, é uma das principais alternativas para realização de espetáculos, depois
do desfalque cultural que o fechamento do Teatro Nacional causou.
O monumento a Duque de Caxias, conhecido como Concha Acústica, é mais
uma obra peculiar de Niemeyer. Inaugurado em 1973, é um palanque ao ar livre,
com uma cobertura em forma de concha. Nela acontecem solenidades oficiais
importantes e até concertos, a exemplo do apresentado pela Orquestra Sinfônica
da Brasília, no último 7 de setembro. A composição entre a Concha Acústica e o
Obelisco faz referência ao copo e à espada de Duque de Caxias, patrono do Exército
brasileiro. Atrás da concha, está a entrada principal do quartel, que dá acesso
ao salão Guararapes.
O espaço, que é a entrada de autoridades, conta com um conjunto de obras
permanente, aberto para visitação ao público apenas de sexta a domingo. “Todo
esse acervo conta um pouco da história de momentos emblemáticos do Exército do
Brasil”, adianta o tenente Antonio Carlos Lorentz Ripe, guia do salão. “O nome
do local se refere à Batalha dos Guararapes, que pôs fim à ocupação holandesa
no Nordeste e é o marco inicial do Exército brasileiro”, ressalta o oficial.
Em frente à Concha Acústica está a Praça dos Cristais. Lá, é possível
observar o requinte do trabalho do paisagista Burle Marx. Os cristais que dão
nome à praça parecem emergir dos pequenos laguinhos, e o efeito, em um dia
claro com nuvens, encandeia os visitantes, como a contadora Juliana Nascimento:
“Essa praça é um daqueles tesouros escondidos em Brasília.
Mesmo morando a vida inteira
aqui, só descobri há alguns anos que ela existia. Daí me perguntei: ‘Como eu
nunca vim a esse lugar antes?’ Depois da primeira visita, esse se tornou um dos
meus lugares favoritos”, declara a brasiliense. Projetada por Roberto Burle
Marx, o local é um jardim triangular de 102 mil m², que faz referência a cidade
goiana de Cristalina. A ideia era descrever, por meio da obra, a riqueza
existente na região central do Brasil.
Juliana considera que o fato de não ter muitos visitantes é um ponto a
favor: “A praça é bem grande, então a sensação é de estar sempre meio vazia.
Confesso que é essa paz e tranquilidade que me fazem voltar aqui mais vezes. É
um lugar de contemplação da natureza e da arte de Burle Marx. Faço questão de
trazer meus amigos de fora para conhecer”, diz.
De todos os lugares abertos à visitação, a tranquilidade de todo o Setor
Militar atribui uma atmosfera de maior contemplação ao Oratório do Soldado.
Talvez fosse essa mesmo intenção ao ser projetado. Observa-se uma contemplação
silenciosa e impressionada em todas as pessoas que visitam o local. Ao olhar do
lado de fora, a edificação lembra uma nave extraterrestre de filmes de ficção.
Com pilastras que parecem suspender o prédio das águas do espelho d’água que o
envolve, foi projetado pelo arquiteto carioca Milton Ramos e inaugurado em
1973. O prédio religioso completa o Conjunto Cívico do Quartel-General do
Exército Brasileiro.
Correio Braziliense
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