Às vésperas da data prevista para a posse do novo presidente, que
deveria ter sido eleito em abril, o Haiti está mergulhado em incertezas. Um
acordo assinado em 5 de fevereiro previa para 14 de junho a posse do novo
mandatário e o fim do governo interno. Ao adiar a votação de abril, o
presidente interino, Jocelerme Privert, deu indicações de que pretende
transferir o pleito para outubro, quando o país deve realizar eleições para o
Senado. Em entrevista ao Correio, o comandante das tropas da Missão das Nações
Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), o general brasileiro Ajax
Porto Pinheiro, ressaltou preocupação com a segurança do país para os próximos
dias.
Com o fim do prazo para a posse do novo presidente — marcado para o
próximo sábado —, manifestantes devem voltar a tomar as ruas de Porto Príncipe.
Nos últimos meses, Porto Príncipe assistiu ao enfrentamento de ativistas
contrários e favoráveis ao antigo governo de Michel Martelly, presidente que
deixou o poder em 7 de fevereiro, após o fim do mandato. A oposição acusa o
ex-presidente e o Haiti Tet Kale (PHTK) de favorecerem o candidato do partido,
o rico exportador de bananas Jovenel Moise, primeiro colocado nas votações de
primeiro turno.
A instabilidade no país deve adiar o prazo para o fim da missão da ONU a
retirada das tropas, que deveriam ocorrer em 15 de outubro. O mandato da
Minustah deve ser prolongado, enquanto o impasse político não for resolvido. “O
período eleitoral tende a ser violento e as animosidades têm crescido; então, é
fácil concluir que não dá pra encerrar a missão”, alerta o general brasileiro.
Segundo ele, o prazo para a retirada das tropas deve ser adiado para abril de
2017, caso as eleições sejam realizadas com sucesso em outubro.
O adiamento das eleições de abril provocou uma série de protestos. Como
está a situação em Porto Príncipe agora?
As manifestações tiveram um aumento em abril e acalmaram um pouco nos
últimos dias. A situação é tensa-calma. Quando os protestos diminuem, aumenta a
criminalidade, pois parece que o foco das gangues muda e eles cometem mais
assaltos e, em consequência, mais assassinatos. As manifestações estão paradas,
porque parte dos ativistas que saem para protestar, de um lado e de outro,
recebem verbas dos partidos. Atualmente, os partidos não têm muitos recursos
para financiar tantas manifestações; então, concentram os esforços para os dias
que acreditam que a pressão terá mais efeito.
Em maio há algumas datas-chave para o Haiti. O senhor acredita que a
calma tende a continuar até quando?
Os protestos vão voltar a se intensificar neste mês. Estamos esperando
confusão porque, em 14 de maio (sábado), se encerra o prazo para a posse do
presidente, que deveria ter sido eleito no mês passado. No entanto, o governo
interino ainda tem um mês até o encerramento do período de 120 dias do mandato,
previsto no acordo de 5 de fevereiro.
A oposição, que até fevereiro era situação, concordaria com a extensão
do mandato de Privert?
Hoje temos uma total indefinição. Há várias opiniões. Um grupo quer que
o presidente permaneça, outro pede que o primeiro-ministro assuma ou que o
cargo seja repassado para o presidente do Tribunal Supremo de Justiça deles. Há
várias possibilidades e muitas interpretações da Constituição. Ainda não
sabemos, mas nós nos preparamos para o pior. As tropas estão em treinamento
para identificar os locais que podem ter problema no futuro. Realizamos
operações de patrulha em diferentes locais de forma permanente.
Há poucos dias o senhor teve uma reunião com o Presidente Privert. Ele
tem planos para convocar novas eleições?
Ele não tocou nesse assunto. Más é quase consenso, hoje, que as eleições
devem ser realizadas em um domingo de outubro. A data faz sentido, até por
questões logísticas e financeiras. Não precisamos começar a trabalhar 60 dias
antes das votações. Por exempo,leva tempo para imprimir as células eleitorais ,
o que é feito em Abu Dabi por questões contratuais, e para o transporte delas
até o Haiti. Se iniciàssemos hoje esse processo, as eleições ocorreriam em
julho. Em outubro, estão previstas para renovar um terço do senado. O custo é
muito alto para realizar duas eleições em tão curto espaço de tempo.
As cédulas chegaram a ser impressas para 24 de Abril?
Não, como se suspeitava que as eleições não fossem ocorrer, eles
esperaram uma certeza para não perder recursos . Teria sido umacorreria, caso
elas não tivessem sido adiadas. Não consigo imaginar a logística para ser
possível.
Em meados de janeiro, poucos dias antes da data prevista para as
eleições, quando o candidato Jude Célestin anunciou que não participaria do
segundo turno
sem uma auditoria dos votos, o país estava pronto para votar...
Nesse momento, nós perdemos todo o material eleitorial, sim.
Em janeiro, foi um grande prejuízo, pois o material estava prontoe
distribuído. Cada fase eleitoral, custa em torno de US$ 9 milhões ou US$ 10
milhões. Para um país com problemas econômico, como o Haití, é algo muito
custoso. Parte da verba é custeada pela comunidade internacional, mas cerca de
um terço é de responssábilidade do país. O valor inclui a impressão e a
distribuição nos 1.508 pontos de devolução, feito por uma empresa terceirizada
e em locais mais críticos, por nós da Minustah. Incliu também, a diária e a
alimentação das forças de segurança, que ficamde plantão e coletam material
eleitoral.
Se as eleições forem em outurbo, serão no mesmo mês em que acaba o
mandato da Minustah?
Em 15 de outubro, acabo o mandato da missão. Não foi oficializado ainda,
não está escrito em nenhum lugar mas se espera que seja prorrogado em torno de
seis meses. Penso não ser recomendavela retiradaou a redução das tropas no
momento em que vai ocorrer uma eleição muito complicada no país. O período
eleitoral tende a ser violento, e as animosidades têm aumentado. Isso só vai
descambar em outubro; então, é fácil concluir que não da para encerrar a
missão. O conselho de Segurança deve decidir os próximos passos no início de
outubro. O que se comenta é que a missão terá uma extensão técnica, mas que o
mandante não será uma renovado. Com isso, haverá um tempo de seis mesespara
consolidação o processo eleitoral.
O que foi discutido no encontro com Privert?
Participaram da reunião representantes do Minustah, o Presidente interino,
o comitê (Enex Jean-Charles) e três chefes de ministérios. Nós conversamos
sobre a nossa situação no país e a nossa atuação antes, durante e depois do
período eleitoral. Eles tinham muitas perguntas, e uma das preocupações do
presidente com a porosidade da fronteira do Haiti, por onde se transporta armas
com facilidade. Ele perguntou como poderiamo atuar, mas isso não faz parte da
missão da ONU, não está no nosso mandato e nós não temos efetivo para esse tipo
de operação. A responsabilidade sobre isso é da Polícia Nacional do Haiti.
Há uma preocupação de que tais armas possam ser usadas em uma momento de
maior instabilidade?
Por parte de gangues, sim. Mas a polícia do Haiti nos ultimos dois
meses, tem feito apreenssões de armas quase que diariamente. Em geral, são
armamentos menores e munição. Os policiais tem atuado nessa área e contam com a
ajuda de denuncias da população e com a fiscalização rotineira nas estradas.
Uma missão de avaliação da ONU, estava prevista para março. Ela se
concretizou?
Não, eles adiaram porque a eleição de janeiro e a posse do presidente
prevista para fevereiro não ocorreram. Decidiram esperar por definição. A
missão não está definida, não se sabe quem virá, nem quando virá. É provavel
que ocorra em junho ou em julho, mas o fato é que eles terão que vir ao país
antes da reunião do Conselho de Segurança para ter informações.
O presidente foi a Nova York algumas semanas atrás. O que foi discutido?
Ele foi pressionado para que convoque uma data para a eleição. O mandato
dele se encerra em 14 de junho, e é preciso uma definição sobre a parte
institucional. A ONU, as embaixadas estrangeiras, a Organização dos Estados
Americanos (OEA), a União Europeria (UE), todos cobram dos políticos haitianos
um consenso sobre a realização de eleições. Enquanto isso não ocorre, o país
fica nesse impasse, que gera insegurança e indefinições na área econômica.
Correio Braziliense
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