"Esmaguem o crânio deles com
uma pedra; sangrem-nos com uma faca; atropelem com seus carros; atirem de um
lugar bem alto; estrangulem-nos ou envenenem." Essas são as ações
sugeridas pelo porta-voz do "Estado Islâmico", Abu Muhammad
al-Adnani, numa mensagem de áudio aos simpatizantes do grupo, em setembro de
2015. Segundo ele, os "soldados" da organização terrorista devem
atacar, sobretudo, os "infames e imundos franceses" – embora
"infiéis" de outros Estados também sejam alvos legítimos.
Tanto em Orlando como em Paris, a
mensagem emitida por Adnani encontrou solo fértil. Ambos os agressores
revelaram-se adeptos do EI, ambos eram conhecidos pelos órgãos de segurança de
seu respectivo país. E ambos colocam a Justiça diante da questão: como lidar
com suspeitos de terrorismo? Como proceder com elementos que já têm histórico
criminal ou que se manifestam como simpatizantes do EI?
Rede sem forma ou hierarquia
Outra questão ocupa mais ainda as
autoridades de segurança: como identificar indivíduos dispostos a cometer atos
de terror em nome do EI?
"A definição de uma rede é
justamente a ausência de hierarquia ou estrutura formal", explica à DW o
pesquisador do terrorismo Peter Neumann. "São pessoas que se conhecem
entre si, pelo fato de terem estado juntas no exterior, por terem se encontrado
nos círculos jihadistas, e cujo grau de relacionamento é ativado de caso para
caso. Não existe uma estrutura formal."
Em diversos países ocidentais,
sobretudo na França, essa falta de estruturas formais constitui o ponto forte
do EI. Fica mais difícil identificar assim possíveis simpatizantes e
militantes, do que numa organização constituída hierarquicamente. Essa forma é intencional.
Nizam, la tanzim – "um
sistema, não uma organização" –, reza a hoje notória fórmula do jihadista
sírio Abu Musab al-Suri, o teórico desse terrorismo que se prolifera. Ou seja:
os jihadistas montam uma rede informal, um sistema com base em relações
pessoais, sempre em mutação e de estrutura flexível. Pode-se filiar-se a ele ou
abandoná-lo; acima de tudo, é possível agir independentemente e por iniciativa
própria.
A estratégia de Musab al-Suri
Da'wat al-muqawamah al-islamiyyah
al-'alamiyyah (Conclamação à resistência islâmica global) é como Musab al-Suri
denominou o abrangente corpo de escritos em que apresentou sua teoria do jihad,
a "guerra santa" islâmica. Ele contém uma parte ideológica e uma
estratégica.
A ideologia visa demonizar os
"cruzados judeo-americanos", que, segundo Suri, destruíram
intencionalmente o mundo islâmico. Isso, afirma ele, ocorreu através da
"disseminação de uma cultura da decadência, da depravação, do adultério e
da imoralidade, da exibição, da nudez, da mistura dos sexos e de outras formas
de corrupção social".
Contra isso é preciso se
defender, numa guerra sem fronteiras, insta Abu Musab al-Suri. Os alvos são
muitos, e das mais diferentes ordens: políticos e militares, a infraestrutura
econômica, como aeroportos e portos, estações ferroviárias, pontes, cruzamentos
de autoestradas, metrôs e locais turísticos. Podem-se igualmente atacar bases
militares e centros de informática, mas também alvos "moles", como
empresas de mídia e seus representantes. Tudo isso serve apenas à resistência,
assegura o jihadista sírio.
Manual de instruções do terror
Essa resistência deve ser
praticada com todo rigor: "O tipo de ofensiva capaz de desestabilizar os
Estados e os governos é o assassinato em massa da população. Isso acontece
quando se ataca grandes concentrações humanas, acarretando um máximo de perdas
humanas."
Tal prática é fácil, prossegue
Suri, pois os alvos adequados são numerosos. "Por exemplo, arenas
esportivas lotadas, eventos sociais anuais, grandes exposições internacionais,
feiras ao ar livre movimentadas, arranha-céus, edifícios com muitos
ocupantes."
Presumivelmente nascido em 1958,
Suri viveu vários anos na Europa. A ele é imputado um papel de liderança no planejamento
dos atentados aos trens suburbanos em Madri, em março de 2004, resultando em
190 mortos e 2 mil feridos.
Os rastros do jihadista sírio se
perderam alguns anos atrás, nas prisões do regime de Bashar al-Assad. Hoje, uma
geração mais jovem dissemina seus objetivos, adaptados ao principal meio de
comunicação contemporâneo, a internet.
Lugar na história para os párias
Um dos panfletos jihadistas mais populares da internet foi divulgado pelo francês nascido no Senegal Omar Diaby, aliás Omar Omsen. Seu vídeo em várias partes se chama 19 HH, um título que já deixa entrever uma tendência a visões de mundo totalitárias. "HH" significa "Histoire de l´Humanité", e o número se refere aos 19 autores dos atentados de setembro de 2001, em Nova York e Washington.
Nos diversos clipes, Omsen fala
de uma suposta conspiração mundial contra o islamismo. "Eles podem
modificar as coisas como queiram e canalizar as massas nas direções que lhes
convenham [...] Em nome da assim chamada segurança, começou a propaganda contra
o islã!" Considerado um dos principais recrutadores ao jihad na Síria,
Omsen morreu nesse país em agosto de 2015.
Adnani, Suri e Omsen são três dos
mais importantes recrutadores para o jihad global, uma guerra que cada vez mais
visa os alvos fáceis do quotidiano ocidental. Nela podem também desempenhar um
papel os excluídos pela sociedade – como agora em Orlando e Paris. Pequenos
criminosos e neuróticos travam a "guerra santa" islâmica – e é
justamente isso que torna tão difícil combatê-la.
DW - Deutsche Welle
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