![]() |
AMEAÇA Nível
4 - As forças de segurança simularam diversas situações de ataque terrorista
durante os Jogos do Rio de Janeiro (YASUYOSHI CHIBA/AFP)
|
Robson
Bonin e Eduardo Gonçalves
Estirado
em um velho sofá azul, vestindo calças camufladas de combatente e com os
cabelos desgrenhados, um jovem imberbe esforça-se para explicar a um
interlocutor as suas convicções sobre algo que parece conhecer pouco, o Islã.
Brasileiro, ele se confessa admirador de uma certa “doutrina do terror”.
Explicando melhor, considera justificável que inocentes sejam assassinados em
ataques suicidas para vingar a morte de muçulmanos. Ele sabe que está sendo
filmado. “Fomos nós, muçulmanos, que invadimos o país deles?”, questiona. O
diálogo não segue uma lógica cartesiana, mas fica claro que ele se refere ao
atentado ocorrido na Flórida, em que 49 pessoas morreram num ataque terrorista
a uma boate gay. “Mataram cinquenta lá. E os 10 000 do Afeganistão? Não tiro a
razão dos caras”, diz. O rapaz sofre para organizar o raciocínio, enquanto
pronuncia palavras arrastadas, balbucia coisas incompreensíveis, chegando a
aparentar uma descompensação mental. Por fim, festeja o atentado em Nice, na
França, que fez 84 mortos, “infiéis”, como ele os chama.
As
cenas desse vídeo levaram a Polícia Federal a desencadear a operação antiterror
da semana passada, a maior do gênero já vista no Brasil. Foram expedidos vinte
mandados de busca e apreensão em dez estados. Onze homens foram presos e um
ainda estava foragido até o fechamento desta edição de VEJA. Todos foram
transferidos para o presídio de segurança máxima em Campo Grande, Mato Grosso
do Sul. O rapaz que admira a “doutrina do terror” vinha sendo monitorado havia
meses por agentes da Divisão Antiterrorismo. Ele e outros onze brasileiros
participavam de grupos que juraram lealdade ao Estado Islâmico, discutiam
estratégias de combate, tentavam aliciar pessoas. Eram só observados, até o
momento em que um deles tentou comprar um fuzil AK-47 pela internet, outro
recomendou que fizessem treinamento de tiro, um terceiro conclamou os colegas a
se matricularem em cursos de artes marciais — e todos conversavam sobre um
ataque durante os Jogos do Rio de Janeiro.
A
suposta “célula brasileira do Estado Islâmico” vinha sendo monitorada pela
Polícia Federal e pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Os
investigadores acompanhavam os passos do grupo pela internet, no Facebook, no
Twitter e em aplicativos de troca de mensagens. A princípio, os “defensores da
sharia”, código de leis seguido pelos muçulmanos radicais, não pareciam
ameaçadores. Entre as mensagens captadas pela polícia estão discussões sobre se
o grupo deveria ou não considerar a possibilidade de cometer um atentado no
Brasil, já que, como disse um dos integrantes, o país não participa da coalizão
que combate o Estado Islâmico (ao que outro participante retrucou que o Brasil
não, mas alguns dos países que virão ao Rio para a Olimpíada sim).
Em outro
diálogo, um dos suspeitos afirma estar juntando dinheiro para “combater na
Síria” e pergunta se alguém conhece um recrutador por lá. Nas mensagens, eles
pronunciam palavras em árabe e trocam imagens de armas e vídeos que mostram
execuções perpetradas pelos terroristas do EI. Também manifestam ódio aos
xiitas — os membros do EI são muçulmanos sunitas. Os suspeitos presos na
operação batizada de Hashtag são, na maioria, cidadãos de baixa renda que vivem
na periferia das capitais.
Depois
dos atentados em Orlando e Nice, e com a proximidade da Olimpíada, a polícia
brasileira achou que esse bando de amadores não podia ser desprezado. Invocou a
Lei Antiterror, recém-aprovada, e pediu a prisão preventiva do grupo,
decretada pelo juiz Marcos Josegrei da Silva, titular da 14ª Vara Federal de
Curitiba. Deflagrada num momento de tensão global com a ameaça de ataques, a
operação provocou grande repercussão na imprensa mundial.
A
ação policial está absolutamente correta do ponto de vista preventivo, mas
acabou escancarando o que poucos brasileiros sabem: a disputa renhida entre a
Abin e a PF pelo protagonismo no combate ao terrorismo. A Abin e a PF não se
entendem, embora devessem trabalhar em parceria. Neste caso, a Abin defendia a
ideia de que a “célula terrorista” continuasse sendo monitorada, sem alarde,
mantendo-se a estratégia adotada em grandes eventos. Para a Abin, publicidade
gera imitação. Outros grupos podem querer suplantar a atenção e promover atos
ainda mais sensacionais. Além disso, a publicidade excessiva pode provocar
medo, até pânico, em setores da população. Na Copa do Mundo, em julho de 2014,
a Abin foi informada sobre a possibilidade de um atentado no Maracanã,
inclusive com o uso de drones. Discretamente, deteve os suspeitos, fez um cerco
ao estádio, bloqueou o espaço aéreo, e ninguém percebeu nada de anormal. É o
que os serviços secretos chamam de “operação invisível”.
A
PF acha o contrário e, na quinta-feira passada, tomou o caminho oposto.
Produziu um espetáculo midiático de alcance internacional. O ministro da
Justiça, Alexandre de Moraes, que chefia o Órgão ao qual está subordinado a PF,
convocou uma entrevista coletiva para anunciar segundo seus assessores, a
desarticulação de membros de "uma célula terrorista do Estado Islâmico no
Brasil", um exagero imperdoável. Depois, o ministro esclareceu que se
tratava de medida preventiva e que o grupo era "absolutamente
amador".
Informado
da ação minutos antes, o presidente interino Michel Temer - homem dado à
discrição e aos bastidores, não gostou da divulgação barulhenta, mas achou
correta a decisão de prender o grupo. O juiz Marcos Josegrei percebeu o excesso
de espetáculo e explicou-se: "É importante deixar claro que nem tudo que
uma pessoa preconiza no meio virtual necessariamente vai realizar no mundo
real. Sob o ponto de vista legal, estão absolutamente justificadas a prisão e
as buscas e apreensões".
Rusgas
entre o serviço secreto e a polida são corriqueiras. Nos Estados Unidos, FBI e
CIA vivem se estranhando. A CIA, equivalente à Abin, coleta informações no
exterior e produz relatórios que normalmente não trazem nomes. O FBI, a polícia
federal americana, despreza esse tipo de trabalho. É essa mesma atmosfera que
marca as relações entre a PF e a Abin. A consequência imediata é uma disputa
pelo protagonismo, que acaba expondo ambos os lados. O estardalhaço das prisões
da semana passada contrasta com episódios recentes, como a deportação do
professor franco-argelino Adlène Hicheur, condenado por terrorismo na França.
Ele morava no Rio. Sua expulsão do país foi divulgada, mas sem alarde.
No
ano passado, a falta de comunicação entre a PF e a Abin deu origem a uma cena
bizarra. Em Brasília, agentes federais cercaram um prédio para prender um
terrorista.
Convertido ao islamismo, o advogado Marcelo Bulhões dos Santos
ostentava um currículo preocupante. Já havia trabalhado na Casa Civil, durante
o governo Dilma, e também figurara no quadro de servidores da própria PF.
Depois do cerco, promovido com todo o aparato próprio dessas operações, a PF
descobriu que Bulhões era um informante da Abin. Teve de soltá-lo e pedir
desculpas.
Recentemente,
a informação de que um membro brasileiro do Estado Islâmico estaria preparando
um atentado contra a delegação francesa nos Jogos do Rio correu mundo.
Revelada
por um deputado francês, a denúncia virou piada. O suposto terrorista, o
vigilante David Leandro Freitas, era, na verdade, um desses "galãs de
rodoviária". Usava a internet para fazer conquistas amorosas, como
descobriu a Abin. Topou com uma garota da Dinamarca que, para seu azar, era simpatizante
do Estado Islâmico. Querendo encantá-la, Freitas inventou que planejava um
ataque contra os franceses. Não queria explodir ninguém, apenas seduzir uma
garota dinamarquesa.
Em
um relatório divulgado por VEJA em junho passado, a Abin classificava como 4 o
nível de ameaça de um atentado durante os Jogos, numa escala que vai de 1 a 5.
A maior ameaça, de acordo com o documento, são os chamados "lobos
solitários", nome dado a terroristas que agem por conta própria, sem
ligações orgânicas como comando do terror.
Para a PF, a divulgação de
relatórios assim é um desserviço que a Abin presta ao país, porque ajudaria a
glamorizar os criminosos. A PF recomenda que o vocabulário seja alterado em
favor de nomes antipáticos: "lobos" devem virar "ratos" e
"Estado Islâmico" deve virar "grupo terrorista".
Há
um clima de tensão mundial em torno do terrorismo, que obviamente precisa
deixar as autoridades brasileiras em estado de alerta durante a Olimpíada. Na
sexta-feira, atiradores espalharam terror em Munique, na Alemanha, disparando
contra pessoas num shopping e em outros dois lugares. Algumas testemunhas
relataram que os atiradores gritavam expressões xenófobas, como
"estrangeiros de m...", outros que exclamavam "Deus é
grande", em árabe. O ataque deixou pelo menos oito mortos. Até a noite de
sexta, portanto, não se sabia se era mesmo um atentado islâmico. Sempre pode
ser. Por isso, na dúvida, o melhor é prevenir. Se o Brasil fizer a prevenção,
com um pouquinho menos de fanfarra, todos ganharão.
Veja
http://veja.abril.com.br/brasil/terrorismo-a-brasileira-o-que-ha-por-tras-das-prisoes/
Esse artigo tem mais elucubrações e mentiras, além de muito amadorismo, do que informações verdadeiras. Lógica cartesiana para entender abordar ideologia, PF e Abin se enfrentando, e atiradores em Munique. É a velha Veja.
ResponderExcluir