Até
o fim deste ano, a Força Aérea Brasileira (FAB) terá voado um terço a menos do
que em 2014. Na melhor das hipóteses. O comandante da Aeronáutica, Nivaldo Luiz
Rossato, acredita que será preciso uma ginástica financeira para minimizar o
impacto em serviços essenciais como o transporte de passageiros e de órgãos; o
treinamento de pilotos; e as operações na fronteira. Os prejuízos, no entanto,
já são contabilizados. O desenvolvimento do cargueiro KC-390, por exemplo, teve
o cronograma atrasado em um ano.
"Começamos
o ano com baixíssimo orçamento e não podemos voar, nem fazer contratos se não
tivermos o recurso", disse Rossato, em entrevista ao Correio na última
quinta. Gaúcho, filho de agricultores, o tenente-brigadeiro do ar comanda a
Aeronáutica desde a saída de Juniti Saito, no ano passado. E, apesar das
dificuldades, se diz otimista ao considerar que consegue manter missões dentro
do limite do suportável, e garante o desenvolvimento dos caças Gripen NG segue.
A
respeito da polêmica envolvendo a continência prestada por atletas militares em
pódios da Olimpíada do Rio de Janeiro, Rossato garante que o gesto não é
obrigatório, mas natural de quem passa pelas fileiras das Forças Armadas.
A
Aeronáutica tem um plano de redução das bases e do pessoal para aumentar a
eficiência. Como isso funciona?
Estamos
concentrando nossas bases aéreas em um número menor. A base é muito cara, e o
essencial são as unidades onde estão os nossos aviões. Das 22 bases, reduzimos
algumas, como Fortaleza, Florianópolis, São Paulo, Santos e outras que faremos
mais à frente. Mas não estamos fechando, estamos reduzindo. Em vez de termos
uma base com mil pessoas, teremos uma com 200, ou menos. E essa base terá
infraestrutura pronta para uso em desdobramento, os aviões decolam de uma base,
pousam em outro local e operam daquele lugar. A Força Aérea em todo mundo faz
isso. Na Amazônia, as bases fundamentais são Manaus, Porto Velho e Boa Vista,
mas temos uma série de campos de pouso, como Vilhena, São Gabriel da Cachoeira,
que são bases prontas para colocar os esquadrões lá dentro e operar. Mas não
precisamos ficar vivendo no meio da Amazônia.
Mas
o pessoal vai para onde?
Vai
se concentrar em um número menor de bases, e essas bases ficarão prontas para
os desdobramentos. Inclusive, as do litoral, como vai ser a do Recife e a de
Fortaleza.
Mas
há um plano de redução de pessoal nas Forças Armadas, sim?
Temos
uma previsão de redução do efetivo em 20 anos. Fizemos uma concepção
estratégica que chamamos de Força Aérea 100, que será quando a Força Aérea
completará 100 anos, em 2041.
De
quanto será essa redução de pessoal?
Temos
75,4 mil militares hoje, e vamos reduzir em torno de 25% do efetivo. Estamos
trocando muita gente de carreira por temporários. Todos entram como temporários
para permanecer até oito anos nas Forças Armadas. O custo é muito menor, eles
ganham salário, experiência. Quando eles saem das Forças Armadas, cessa o nosso
compromisso. Existem certas carreiras em que as pessoas não precisam ficar sete
anos estudando em nossas academias. É o caso do relações públicas, do dentista,
do farmacêutico, dos auxiliares de enfermagem, dos músicos, uma infinidade.
Atletas
também?
Também.
Temos em nossa organização atletas de alto padrão que recebem ensino,
alimentação, educação em geral, tudo isso dentro das nossas organizações. Tudo
isso vem de recursos de outros ministérios.
Há
resistências internas em relação ao projeto de atletas militares?
Não.
Porque esses gastos são do interesse do governo. E o atleta aproveita a nossa
infraestrutura e nossas edificações, e é pago por outros órgãos de fora. Da
mesma forma, os atletas de alto rendimento utilizam os ginásios que temos, as
pistas, o hotel de trânsito onde eles podem ficar. Além disso, têm apoio de
saúde e o salário de sargento. No mais, nossos atletas têm dificuldade para
conseguir patrocínio.
Uma
das polêmicas recentes foi a continência dada pelos atletas militares...
Qualquer
militar tem orgulho de ser militar. Essa rapaziada de alto desempenho que
entrou nessa parte das Forças Armadas gosta disso e declara isso publicamente.
Eles têm apoio, que é muito bom. Eu não vejo nenhum militar dentro das nossas
Forças Armadas que não tenha orgulho de fazer parte dela. Ao entrar, a primeira
coisa que aprende é o Hino Nacional. Ele considera Brasil acima de tudo, é a
expressão, o hino e a bandeira. E uma maneira de mostrar isso é colocar a mão
no peito ou fazer a continência. Depois de fazer um estágio de um mês, ele não
resiste, vê a bandeira e tem que fazer a continência. É um processo natural,
não é forçar nada aquele processo, não seria natural não fazer a continência.
No mundo inteiro, o pessoal tem orgulho dos seus militares e a gente vê que
aqui dentro também, é só ver as pesquisas. E essa gurizada, para mim, vai ser
mantida. O programa começou em 2011, estamos no sexto ano.
Qual
é o impacto dos cortes orçamentários na Força Aérea?
Temos
um planejamento estratégico com determinado volume de recursos. Os projetos
estratégicos que estão no PAC são dois: o Gripen e o KC-390. São projetos de um
valor elevado. O projeto Gripen é superior a US$ 5 bilhões, e o KC-390, só a
parte de desenvolvimento custa mais de R$ 4 bilhões. Só que o KC-390 tem uma
perspectiva de venda de US$ 1,5 a US$ 2 bilhões por ano. No ano passado,
perdemos uma licitação com o Canadá porque o projeto ficou atrasado. O governo
tem plena consciência desse problema e que temos essa necessidade de recursos.
Quando eles não vêm no volume que nós queremos, isso atrasa o projeto.
E
o Canadá comprou de quem?
Eles
ainda estão na licitação, mas ficamos de fora. Um outro exemplo: teve uma
empresa nacional que acabou de comprar 10 aviões C-130, que é justamente o
concorrente, é um modelo americano. Então, esses projetos estratégicos são
fundamentais não só para a Força Aérea, até porque o KC-390 atenderá a Força
Aérea, o Exército, a Marinha e todos os interesses do governo dentro dessa
área. Quando mandarmos gente para o Haiti e para o Líbano, o avião de
transporte será ele. A indústria nacional também se beneficia. Um projeto desse
tem em torno de 7 mil empregos diretos e indiretos no desenvolvimento, 1,5 mil
só dentro da Embraer na área técnica e de engenharia. No Gripen, já temos quase
100 engenheiros da Embraer e da AEL trabalhando na SAAB (Suécia). E, quando o
caça chegar aqui, vai dar uma tecnologia inimaginável para a nossa indústria
aeronáutica. Ninguém quer ensinar ninguém, tem um preço por isso. São coisas
que nós temos que adquirir dessa forma. Se quisermos começar do zero, nós não
vamos fazer. Então, o recurso é fundamental para os nossos projetos
estratégicos e para o nosso dia a dia, manutenção da nossa base aérea, das escolas,
dos Cindactas, dos radares, todos esses recursos são impactados pela redução
orçamentária.
Hoje,
deixamos de voar por falta de recursos?
Claro.
Voávamos em torno de 150 mil horas. No ano passado, baixamos para 130 mil
horas, e, neste ano, estamos buscando a meta de chegar até 100 mil. Nós
começamos o ano com baixíssimo orçamento e não podemos voar, nem fazer
contratos se não tivermos o recurso por causa da Lei de Responsabilidade
Fiscal, que nos obriga a fazer isso. Ao longo do ano, fomos recebendo mais
recursos e, ainda assim, continuamos pendentes.
No
que essa redução de horas de voo impacta?
Principalmente
no treinamento do piloto. Isso é fundamental. Nós começamos o ano com cerca de
200 pilotos fora de voos, hoje todos já estão voltando para a atividade aérea.
O piloto menos treinado é um risco maior na segurança de voo. Não poderíamos
diluir as horas de voo entre os pilotos, mas, se ele voa abaixo do nível
crítico, ele passa a ser um risco de segurança de voo. Então, tiramos eles dos
voos para manter o nível de treinamento. O segundo impacto é que podemos estar
canibalizando a frota. A nossa opção foi manter a frota, porque, se
canibalizarmos isso, gera um custo altíssimo. Por exemplo, esses aviões que
atendem ministros, esses que ficam em Brasília, nossa frota está reduzida pela
metade, mas tomamos alguns cuidados. Fizemos uma estocagem do avião, é um
trabalho de retirada do sistema hidráulico, motores, todas essas peças, para
facilitar a manutenção. Então, a redução impacta nas horas de voo e no
atendimento das missões, e nós estamos recuperando isso pela necessidade
crítica que nós temos. Quem dá o suporte para o Exército na Amazônia é a Força
Aérea e nós estamos atendendo, mas no limite do suportável, eles precisariam de
muito mais do que nós estamos dando.
Transporte
de órgãos também?
Também.
Quando tínhamos mais horas de voo, os comandantes tinham um número maior de
pilotos treinando, que também aproveitavam essas horas de treinamento
transportando órgãos para lá e para cá, porque atendia a necessidade do
Ministério da Saúde. Com o orçamento mais restrito, isso impactou no
treinamento dos nossos pilotos. Eles não poderiam criar missões se não tivessem
horas de voo. Nós temos aviões de alerta da Amazônia ao Rio Grande do Sul.
Tanto aviões quanto tripulações sempre prontos. Com essa revisão orçamentária,
nós temos um avião simples que pode voar 600 horas por ano e está voando 150
horas por ano. Um C-130 — cuja carga econômica dele é 800 horas — está voando
300 horas. Agora tivemos uma reunião com o Ministério da Saúde, que concordou
em custear o transporte dos órgãos.
Quanto
custa esse transporte?
Varia
de acordo com as missões realizadas, mas é muito mais barato que seja feito
pela Força Aérea do que pagar um avião de fora. Nosso custo é, mais ou menos, a
metade do custo de externo. O nosso custo de hora de voo é somente logístico e
combustível.
Mas
continuamos com uma redução de 25% em horas de voo?
No
início do ano, nós tivemos muito mais, começamos com potencial para voar 60 mil
horas apenas. Redução de mais de 50% em relação a 2014. Por que nós começamos a
aumentar a hora de voo? Tínhamos 60 mil horas e estamos vendo se chegamos a 100
mil horas. Foi sendo descontingenciado, com solicitações, por meio também de
créditos, por exemplo. É o caso do acordo com o Ministério da Saúde no
transporte de órgãos. Trouxemos de São Paulo para o Rio milhares de militares
da Força Nacional com o dinheiro que nós recebemos do Ministério da Justiça.
Então, vai se recompondo, mas o ideal é receber o dinheiro antes do Ministério
do Planejamento. O impacto é muito grande na manutenção das unidades, nós
reduzimos expediente, vamos fazendo nosso dever de casa de acordo com os
recursos que o governo dá. O que impacta nessas questões de orçamento sempre?
Trabalhamos em cima de capacidades. À medida que nós não temos aquele dinheiro,
a nossa capacidade vai sendo reduzida, nossa capacidade de defesa aérea, de
controle marítimo, de transporte.
E
as mudanças no Ministério da Defesa por circunstâncias políticas? A gente teve
em um curto espaço de tempo uma troca grande de ministros.
As
trocas não são boas, assim como nós, dentro dos nossos comandos, temos de ficar
mudando os nossos comandantes. Claro que, no Ministério da Defesa, é melhor que
tenha uma continuidade. Mas eu posso dizer pelo período que eu estou aqui, um
ano e meio, que nós não tivemos problema nenhum, nenhum dos três comandantes,
de relacionamento ou de quebra, de sequenciamento de projetos, porque os
projetos das Forças permaneceram os mesmos com cada um dos ministros.
"Voávamos
em torno de 150 mil horas. Em 2015, baixamos para 130 mil, e, neste ano,
estamos buscando a meta de chegar até 100 mil horas, mas começamos com 60 mil
previstas"
"Fazer
a continência é um processo natural de quem participou de atividades nas Forças
Armadas. Esses atletas de alto desempenho gostam disso"Fazer a continência
é um processo natural de quem participou de atividades nas Forças Armadas.
Esses atletas de alto desempenho gostam disso"
Correio
Braziliense
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