O Globo
por
Gabriela Valente, Eliane Oliveira e Roberto Maltchik
BRASÍLIA
- Após o fracasso na parceria com os ucranianos para o uso comercial do Centro
de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, que causou prejuízo de pelo menos meio
bilhão de reais ao Brasil, o Palácio do Planalto está pronto para negociar o
uso da base com os Estados Unidos. A ideia é oferecer aos americanos acesso ao
centro de lançamento, cobiçado por sua localização rente à Linha do Equador,
que diminui o gasto de propelente em cada empreitada especial, para, em troca,
utilizar equipamentos fabricados pelos potenciais parceiros.
O
uso dos modernos sistemas espaciais dos Estados Unidos, jamais obtidos pela
indústria nacional, porém, não significará transferência tecnológica ao setor
privado brasileiro. Pelo contrário: para que a negociação avance, o Brasil terá
que aprovar uma lei que indique de forma técnica e pormenorizada a proteção que
será dada a todo componente tecnológico manipulado em solo brasileiro. O mesmo
texto precisa ser avalizado pelo Congresso americano. Se parte das exigências
dos EUA forem alteradas pelos parlamentares do Brasil, e as mesmas forem
consideradas insatisfatórias pelos congressistas americanos, não tem negócio.
O
tema sempre esbarra na proteção à soberania nacional, uma vez que setores do
Centro de Lançamento de Alcântara poderiam ficar inacessíveis aos técnicos
brasileiros justamente pela proteção à propriedade intelectual do país
parceiro. Foi esta a argumentação, que provoca polêmica entre diferentes
setores dentro e fora do governo, que impediu o avanço da primeira tentativa de
acordo, costurada ainda no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso.
PROPOSTA
ANTERIOR EMPERROU
À
época, a proposta não avançou no Congresso Nacional. Os parlamentares
consideravam o acordo desequilibrado e conflitante com as leis brasileiras. A
maior crítica é que o governo dos EUA manteria controle sobre áreas segregadas
em território brasileiro.
Agora,
o país deve apresentar uma nova versão de Acordo de Salvaguardas Tecnológica ao
Parlamento. O Ministério das Relações Exteriores avalia junto aos ministérios
da Defesa. Ciência e Tecnologia e Agência Espacial Brasileira os termos que
podem ser oferecidos aos americanos. A ideia é ser pragmático e propor um
acordo que permita acelerar um acordo definitivo.
José
Serra, ministro das Relações Exteriores, confirmou que oferecerá aos americanos
um acordo. Segundo ele, esta é uma das primeiras providências nas relações com
o novo presidente americano, Donald Trump.
—
Vamos tomar a iniciativa de propor a reabertura de negociação em torno de
vários acordos e tratados que não se concretizaram. Um deles se refere à base
de Alcântara. O assunto foi muito debatido no passado e, agora, vamos tentar
uma parceria — revelou José Serra.
O
primeiro passo para que o diálogo avance foi dado com uma medida prática: o
Planalto obteve vitória no Congresso para retirar da Casa o texto rejeitado há
quase 15 anos. Como os Estados Unidos sempre foram resistentes à ideia de uma
negociação que flexibilize o acesso de brasileiros aos locais sensíveis à
proteção tecnológica, os diplomatas daqui devem entregar uma proposta sem
tantas exigências. Assim, acreditam, o dispositivo de segurança nacional tem
maior chance de não ser derrubado pelos parlamentares americanos.
Em
dezembro, o plenário da Câmara de Deputados aprovou o fim da tramitação do
texto antigo. Já neste mês, os ministério das Relações Exteriores e da Defesa
começaram a elaboração de um novo acordo.
Em
2004, logo depois do incêndio nunca totalmente esclarecido que matou 21
técnicos e engenheiros que trabalhavam no lançamento do Veículo Lançador de
Satélites (VLS) brasileiro, e, em 2012, quando o acordo com os ucranianos já
dava os primeiros sinais de fracasso, o Brasil tentou retomar o acordo com os
americanos. O Itamaraty fez as tratativas em absoluto sigilo, mas, em julho de
2013, entretanto, esse início de negociação foi suspenso.
As
conversas estariam estavam avançadas, mas naufragaram por causa da redução no
ritmo do diálogo bilateral entre o governo Dilma Rousseff e os americanos,
depois da revelação que o serviço de inteligência dos Estados Unidos espionou o
governo brasileiro.
—
Há disposição para buscar soluções alternativas. A assunção de novo governo nos
EUA poderia representar oportunidade para uma reavaliação do cenário,
buscando-se ambiente de flexibilidade de lado a lado, em que novos
entendimentos possam prosperar — contou um técnico do governo a par do assunto.
Sem
citar nomes, José Serra criticou o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que optou por um acordo com a Ucrânia, para o lançamento de satélites da
base de Alcântara, que ainda enfrenta obstáculos domésticos. O principal deles
é a resistência das comunidades locais à expansão do centro de lançamento, hoje
dentro do perímetro da base militar. O acordo com a Ucrânia foi rompido e ainda
deixou um problema para o Brasil: como houve denúncia unilateral do tratado, ou
seja, o Brasil optou sozinho por não prosseguir na empreitada com o país
europeu, a Ucrânia pode — e já ameaçou fazer — exigir ressarcimento pelos
prejuízos causados pela parceria mal sucedida.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirDá a entender que querem "alugar o terreno" pra fazer dinheiro e quem sabe no futuro "dar carona" para satélites brasileiros em veículos americanos.
ResponderExcluirFora os problemas com proteção às tecnologias de outros países, como por exemplo os casos de sensores de velocidade de aviões e outros envolvendo pesquisas no ITA, o maior limitante do Brasil é não colocar dinheiro nos projetos. Nunca sobra. Vejo estudantes de universidades brasileiras tentando fazer projetos como BAJA e Aerodesing com orçamentos 6 vezes menores que as de instituições de outros países, na maioria das vezes com recursos conseguidos por doação.
Me lembro também de uma reportagem de um centro de manuteção de blindados no Sul onde faziam engenharia reversa em tanques antigos. Sabe qual era o contigente deles? Apenas 7 engenheiros. Não dá pra fazer nada com isso, nem a longo prazo (vamos dizer, 20 anos).
Os países de primeiro mundo têm suas tecnologias porque gastaram muito com pesquisa em seus programas aeroespaciais e afins, e hoje estão colhendo os frutos. Nada mais natural do que proteger isso.
Os brasileiros têm total capacidade de fazer qualquer coisa, temos um capital humano muito rico aqui, o que falta é parar de levar essas coisas na brincadeira e tirar de vez esse VLS do papel. Pensando no lado econômico da coisa, o Brasil poderia ganhar dinheiro lançando satélites para países da América do Sul, e quem sabe até surja todo um novo campo de indústrias no setor de satélites de telecomunicações e afins, gerando mais empregos e mais desenvolvimento para o Brasil e para a América do Sul.
Para os pessimistas, lembrem-se de que ninguém acreditava que a Coréia do Norte chegaria a desenvolver mísseis de longo alcançe...