Provavelmente só daqui a algum tempo saberemos quão perto o mundo esteve
do precipício de uma guerra entre as superpotências nucleares Estados Unidos e
Rússia, em meados de abril de 2018. No momento, só parece claro que os EUA,
Reino Unido e França se contiveram, que suas ofensivas se restringiram a alvos
na Síria ligados à produção e armazenamento de substâncias químicas de combate.
Vítimas civis – a julgar elo atual estado das informações e com toda
cautela que exige qualquer avaliação dos acontecimentos na Síria –, não houve
praticamente nenhuma.
Nos últimos dias, traçaram-se constantemente paralelos com a crise de
Cuba, a confrontação entre a União Soviética e os EUA em 1962. Do ponto de
vista retórico, sem dúvida o mundo já estava (e está) novamente nesse ponto –
pelo menos se o critério forem os alucinados tuítes de Donald Trump, acrescidos
pelas ameaças abertas dos oficiais russos.
Naquela época, contudo, a questão era preservar a primazia da política,
diante dos generais e dos "Doutores Fantásticos". A tática teve
sucesso 56 anos atrás: a crise permaneceu no campo da política.
Agora, entretanto, nos últimos dias antes das ofensivas aéreas sobre a
Síria, escutaram-se de ambos os lados do Atlântico advertências que às vezes
soavam como suspiros de impotência: tomara que desta vez a racionalidade dos
militares prevaleça. Racionalidade dos generais contra a falta de noção e de
escrúpulos dos políticos: só mesmo tendo um tipo especial de humor político
para achar graça nessa situação.
Recordando mais uma vez: milhares de soldados russos estão estacionados
na Síria, combatendo do lado das tropas do dirigente Bashar al-Assad. Dois
meses atrás, mercenários russos já haviam sido mortos em ataques da Força Aérea
americana no Norte da Síria, sem que daí resultasse uma crise. A coalizão
contra o "Estado Islâmico" (EI), liderada pelos EUA, opera naquela
região. Desta vez os alvos das investidas aéreas foram escolhidos de modo que
nenhum soldado russo fosse atingido.
O canal de comunicação entre a liderança militar americana e o
Estado-maior russo parece estável. Há bastante tempo especialistas relatam que
o intercâmbio objetivo e minimamente confiável entre os oficiais de alto
escalão de ambos os lados pouco sofreu, apesar da nova confrontação
Leste-Oeste.
A Síria é talvez o palco de guerra mais confuso da história.
Repetidamente têm se confrontado lá tropas cujas nações de origem ou ainda são
aliadas nominais ou profundas inimigas do ponto de vista político.
A guerra civil no país está decidida pela intervenção da Rússia, em
apoio a Assad, e pela aliança da Síria com o Irã. Os assim chamados
"ataques de retaliação" das três potências ocidentais em nada mudam
esse fato. No entanto, não são privados de sentido.
Com as atuais ofensivas aéreas, Washington, Londres e Paris deixam
claras duas coisas: o emprego de armas banidas de extermínio em massa não fica
sem consequências; não se admite a cínica negação e acobertamento de crimes de
guerra, e não importa quem venha dar apoio, colocando em movimento sua máquina
de propaganda.
Além disso, as potências mundiais não abandonarão o campo sem maiores
comentários, mesmo tendo atrás de si anos de política falha, indefinida e
claudicante. O Oriente Médio está diante de uma nova ordem, que não deverá ser
decidida exclusivamente em Moscou e Teerã. Essa é a dupla mensagem dos
bombardeios às fábricas químicas de Assad.
Acrescente-se um terceiro ponto: os EUA não agiram sós, mas sim em
aliança com a França e o Reino Unido, não só em frente unida militar, mas
também em estreita coordenação política. No ano dois da regência de Donald
Trump, trata-se, sem dúvida, de uma boa notícia desta manhã de sábado.
Deutsche Welle
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